A História dos Crass traça a história criativa e as raízes de um ativismo social dos punk rockers do Reino Unido
By Stefan Christoff
A cultura Punk Rock é diversa, desde os okupas anarquistas mais radicais aos sucessos de rádio de um punk-pop adolescente, e dentro desse panorama não existem dúvidas que o lendário coletivo britânico Crass deixou a sua marca na história do punk rock.
Os Crass apareceram na cena punk britânica nos finais dos anos 70, dotados de um som e de uma prática política que desafiou e transformou o gênero. Letras flamejantes apontadas ao Estado e às autoridades políticas superaram interpretações artísticas mais vagas no som do punk rock, ao mesmo tempo que membros do coletivo Crass se juntavam ativamente a lutas populares da época, levando as letras à prática enquanto ativistas sociais.
The
Story of Crass (A História dos Crass), de George Berger, oferece uma
impressionante e profunda descrição sobre a formação e trajetória dos
Crass. Para além do punk, o livro oferece uma visão importante sobre o
contexto político nas Ilhas Britânicas durante a era pós-hippie e de
depressão econômica dos finais dos anos 70, que alimentaram o
aparecimento da cultura punk no Reino Unido.
A icônica meditação do
dramaturgo Bertolt Brecht “a Arte não é um espelho onde a realidade se
reflete, mas um martelo que ajuda a dar-lhe forma”, apropriadamente
inicia um capítulo chave: a arte, para a banda, é vividamente descrita
nas páginas biográficas como um processo criativo diretamente ligado ao
confronto com as injustiças sociais compreendidas na época.
A sua forma singular de assumir uma cultura punk, granjeou ao grupo um estatuto permanente na história contemporânea do punk, ainda que A História dos Crass aponte para a rejeição do estrelato por parte do grupo, especialmente no seu auge, assim como aprofunda as origens de uma prática de rejeição publicitária de coletivos musicais revolucionários reconhecidos tais como os Godspeed You! Black Emperor, que continuam a desconcertar a imprensa musical ainda hoje.
“Talvez tenha passado despercebido aos membros dos Crass que a sua deliberada política de anonimato, misturada com estórias sobre uma remota rocinha no campo, lhes tenham emprestado uma certa mística dentro do circuito punk”, escreve Berger. “Toda a gente quer saber a resposta a um segredo, tal como qualquer mágico de palco ou fisiologista amador poderá testemunhar”.
De fato, um dos muitos segredos abertos dos Crass, como nos diz o livro, é a sua expressão de uma honesta fúria popular contra as injustiças sociais da era Margret Thatcher. Ao unir a música, o ativismo político e a experimentação artística durante um período em que a agitação política abundava, os Crass deixaram a sua marca na história cultural contemporânea.
O livro vai para além dos chavões, para detalhar as múltiplas influências artísticas da banda, que conhecidamente combinava uma colagem do som, projeções ao vivo, guitarras ruidosas, vocalizações punk rock e amostras de som ainda antes da música feita por computador. É certo que a ressonância dos Crass está também ligada à sua experimentação artística inovadora, já que o coletivo orquestrava não apenas um som único mas também alguns dos primeiros projetos de graffiti no Reino Unido.
“Outra linha do assalto multimídia dos Crass à conformidade apareceu no fórum sobre a campanha do graffiti de stencil”, descreve em linhas gerais Berger. “A febre do graffiti de stencil tornou-se uma pequena revolução no Reino Unido durante algum tempo, já que as pessoas seguiam a iniciativa dos Crass ao longo de todo o país, usando os seus slogans políticos, subvertendo anúncios (“Sub-vertising”) e a sociedade por todo o lado”. A História dos Crass aponta também para uma duradoura influência cultural dos Crass na arte de rua, citando artistas conhecidos a nível global tais como Banksy.
A História dos Crass tenta seguir o rasto à
cena cultural punk que deu origem aos Crass através de sub-culturas dos
finais da década de 60, quebrando um tabu da sub-cultura punk ao
destacar uma trajetória-história entre a época hippie e a do punk rock,
que faria Sid Vicious dar voltas no túmulo. Mas a tentativa dos Crass de
articularem sonhos revolucionários, na ação e na música, vai para além
de rótulos culturais como o do punk rock. Fundamental para a compreensão
da contínua relevância dos Crass ainda hoje é a natureza universal das
idéias anarquistas que alimentaram o grupo.